Por Ronaldo Teles
Era todo dia. A mesma labuta. Chegava ao local do meu
trabalho arrepiado, maltrapilho e maltratado. Se meu cérebro fosse um pouco
mais autônomo, eu já havia pedido as contas daquele serviço faz tempo. Mas em
mim, meu amigo, quem sempre mandou foi o coração. E com ele não tem dessas de
raciocínio. Aliás, raciocínio pouco, é bem verdade, senão eu não estaria lá,
todos os dias: contabilizando as mesmas notas fiscais, comendo as mesmas
comidas daquele restaurante horroroso, aguentando as mesmas chateações de quem
trabalha. Mas tudo tinha um motivo, um motivo claro, ria-se o meu coração: ela –
uma amada secreta. Trabalhava ao meu lado. E o pior de tudo: era minha amiga.
Ou, pelo menos, dizia-se. Ou pelo menos era o que eu achava. Como xingá-la?
Como fugir de seu olhar pequeno, todos os dias, atrás da mesa, rindo para mim,
contando o seu dia para mim, pedindo-me – vejam só! – opinião sobre o que deveria
fazer em tal situação. Como não reparar suas coxas, quando se levantava? Como
não devorá-la com os meus olhos quando retornava do almoço, com cara de
satisfeita, rindo, brilhante, como cantora de ópera. Sou perdidamente
apaixonado por ela. Sempre fui. Sempre serei. Mas como, como, lhe transmitir
todas essas coisas complicadas que o coração ficava martelando em meu ouvido?
Eu confesso que sou meio frouxo nesse sentido, não gosto de misturar as coisas
e, sendo assim, não conseguia nunca me declarar para ela. E era pior, pois,
subversivo amigo que eu era dela, eu já sabia de todo o seu íntimo, todas as
mãos que haviam lhe tocado o corpo, de cada fio de cabelo acaju ou tabaco
escuro que lhe forrava o coro cabeludo! Ah! Eu sabia! E assim era mil vezes
pior! Antes fosse um inimigo, de outro setor, de outra empresa! Mas não: era a
minha mesa mais a dela, lado a lado. Todos os dias. De 09h às 18h. Uma nota
contabilizada, um olhar torto aqui, o café da tarde, uma conversa ali, um
aumento de salário, uma confissão aqui. Mas nada de o meu coração, esse patife,
permitir-me a linda hora da confissão de amor! Tardava e não chegava! Maldição!
Esse meu coração, com esse seu raciociniozinho torto, me castigava: preferia
amar às escuras, preferia amar aos versos, no anonimato. Ah! Um dia, ela confessou-me
que havia passado em um concurso público e estava dando o pé da empresa. Eu não
queria acreditar, mas logo já vi outra funcionária sendo treinada por ela. Não
era loura como ela; seus olhos eram maiores, e ria alto, escandalosa, me dando
náuseas a cada vez que falava. No dia da despedida de minha amada chorei
escondido no banheiro. No final, eu consegui dizer a ela algo que, afinal,
vinha do meu coração:
- Adeus. A gente se fala.
- Se fala sim. Adeus.
Fala nada! Até hoje nunca mais nos falamos. Amor de
escritório! Ai ai, meu Deus! E cá eu estou, em meio às notas, à louca morena de
olhos grandes, escrevendo estes versos em meu horário de almoço, com a certeza
de que nunca mais me apaixonarei por nenhuma mulher que bata o ponto no mesmo
relógio que eu.
Não sei quem é Ronaldo Teles, mas gostei muito :)
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