domingo, 28 de novembro de 2010

Quarta-feira

Acordei, atrasado como ultimamente, vendo minha mãe na porta dizendo que já são sete e vinte. Não fosse ter que estar no serviço às 07:30, continuaria dormindo. Mas não: lá vou eu tomar banho voando, correndo, pulando, tropeçando.
Tomo banho.

Minha mãe reclama, dizendo que não devo ficar na internet até tarde. Mas pego o crachá provisório, o original já se perdeu, e vou, rumo ao dia. O dia que raia. Inexistente sou eu perto dele.

Despeço do meu cachorro, cujo o nome é Dudu, e pelo qual tenho enorme consideração, e desço a rampa. Abro o portão. E vou.

Perto da igreja católica (São José do Operário, que, inclusive, oferece festas aos fiéis todo dia primeiro de maio e há quem goste), começa a chover. Mas não é dessas chuvas poéticas, que nós poetas gostamos de falar. Chuva forte, forte mesmo. Eu, que não estou ligando muito para aparência, deixo-me molhar me imaginando como num filme.

(Eu sempre me imagino em filmes, ora para distrair, ora para o tempo passar mais rápido. Nessa ocasião, me imaginei em LOST, com o brotha Desmond, a Sun, correndo dos The Others.)

Já estando atrasado mesmo, penso que devo ir à padaria comprar um pão com molho e salsicha. Entro na padaria e vou ao balcão. Lá estão dois policiais da Polícia Militar de Minas Gerais, cujo o lema já foi (ou ainda é) “Nossa profissão, sua vida!” e cujo o patrono é o nosso conterrâneo vitorioso (haha) Tiradentes.

Rapidamente, olho para eles, eles não olham para mim. Eu olho para o brasão, no qual há um homem amarelo sobre quem não gloso. Aproveito que eles estão conversando com as funcionárias da padaria (eles vão lá todos os dias, se conhecem) e peço meu pão com salsicha. E é a última salsicha do molho. Os dois voltam os olhos para o balcão novamente e percebem que a salsicha, que eles pediriam, já é minha.

[Peço desculpas aos leitores por ter que falar em “pão” e “salsicha”, o que pode remeter a metáforas desagradáveis. Entretanto, conto com a maturidade de vocês para que continue minha crônica.]

Continuando. Vendo que a batalha do lanche está perdida, o primeiro Cabo, cujo o nome não devo aqui dizer por questões éticas, olha para mim com a sua cara feia, mas eu não me importo. O outro cabo, cujo o nome também não devo dizer pelos mesmos motivos, também me olha com um olhar nada agradável. Este é preto e novo e o outro é branco e mais velho, e o mais “simpaticão” entre as moças da padaria. Pouco me importa, a batalha do lanche estava vencida!

Peço desculpa ao leitor novamente, mas devo explicar o motivo dessa minha insistência em dizer que a “batalha” com os senhores cabos foi vencida. Acontece que, como eu disse, esses senhores freqüentam a padaria todos os dias de manhã. E, por uma causa ou outra, sempre eles pedem pão com salsicha. E sempre falta. Da penúltima vez (considerando que essa que eu já contei foi a última), o branco mais velho, saiu vitorioso, olhando para minha cara e dizendo: “Não posso ficar sem comer, né! Essa aí já é minha!”. Deixei quieto. No entanto, depois fui eu – calado – quem ganhou!

Passado o episódio da padaria, que deve ter durado cinco minutos no máximo, entro na empresa, cumprimento o porteiro (gente boa que só ele), e vou para a minha rotina de Auxiliar Administrativo em Transportes.

Naquela sala, que trabalham doze (ou onze, não estou disposto a contá-los em minha mente), passo o dia pensando em palavras, ouvindo músicas imaginárias ou cantando por dentro. Além de trabalhar, meu mundo gira. Penso na faculdade, penso nos meus amigos, penso na minha família, penso em Deus. Olho para o canto esquerdo da mesa, vejo o bilhete que eu deixei para mim mesmo: “Os frutos da carne são...”. Me pergunto como posso cometer todos . Penso que Deus não olha para mim, mas caio na real e lembro-me que Deus é Deus.

Durante o serviço tento conversar mais. Mas meu mundo interno insiste em girar e eu preciso dar atenção a ele. Trabalho, mas o faço girar. E, quando menos se imagina, já é hora de ir embora.

Nesse dia, não tem correria para arrumar e ir à faculdade, por isso vou mais devagar.

No corredor da saída cumprimento um ou outro funcionário como eu. Percebo que todos têm os mesmos olhares e os mesmos sorrisos. São homens e mulheres enfastiados pelo dia de trabalho e querem, no mínimo, descansar. Há aqueles que depois dali vão beber, fazer, comer, e alguns outros verbos terminados em ER, AR ou até IR.

No entanto eu, que não tenho nada de interessante para fazer (e nunca tenho mesmo), só quero ir para a casa. Passo pelo portão e cumprimento novamente o porteiro, que sempre me diz coisas boas e me deseja sorte na faculdade. Dessa vez digo a ele que estou de férias e ele se alegra comigo.

No caminho de casa, encontro-me com os alunos da escola ao lado da empresa. Eles estão indo embora também, com suas mães ou sem elas. Juntos, nós fazemos o caos no trânsito da Avenida Amazonas, no bairro Cachoeira em Betim, MG, Brasil, Planeta terra, Universo, Fim.

Chego em frente ao portão de casa, percebo que não há ninguém lá dentro. E eu estou sem chave. Me envergonho em dizer (e tomara que minha mãe não leia isto!), mas fui obrigado a pular o muro. Este episódio merece ser contado, mas numa próxima oportunidade, senão o texto ficará mais longo do que já está e serei odiados pelos amigos leitores do Óculos.

Já em casa, tiro a roupa, troco a roupa, e vou dormir. Antes de dormir, ligo o ventilador. Começa a chover, mas não tão forte como de manhã. Lá, pela janela, vejo cada pingo de chuva e tenho um valor simbólico para cada um deles. Cada um representa uma imagem desfigurada do dia que passou. Outros representam a minha vida que está por vir, isto é, os outros dias. Cada gota, com seu barulho singular, me molha por dentro. Cada pingo uma poesia...

Meu mundo continua a girar, dessa vez mais calmo, apesar da intensidade.

E é cada gota uma saudade, um medo, uma vontade, uma realização, uma pessoa.

Meu mundo gira, está parando, estou dormindo.

Cada gota me fazendo lembrar que não há filme nenhum para ser vivido. Cada pingo que não me deixa esquecer de que material a vida é feita.

E nesse vai e vem: durmo, abandonando tudo que passou e o que há de vir, inclusive as chuvas.


-


OBS.: Este texto é um pretexto para não escrever da angústia na qual me encontro hoje, domingo, dia 28 de novembro de 2010, às 02:18am.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Poesia para mim

Chuva cai,
E eu aqui falando de chuva.
Tempo vai,
E já faz tempo eu falando de tempo.
Pessoas indo e vindo,
E eu pensando em tudo.

Tudo isso:
O que mais poderia ser?
Socorro em prosa:
O que eu posso fazer?
Amigos e amores,
Saberá brotar as flores?
O céu azul,
Para esquecer as nuvens.

Mãe e pai
De família já falamos,
De família falamos sempre,
De todas as famílias do mundo.
Num breve gole profundo
Da insanidade que é a poesia
De tudo que um dia
eu fui e
e de tudo que um dia
eu jamais serei.

E lá vou eu de novo...
O que fará algum renovo?
E saberá dizer o povo
alguma coisa quer que seja
com todos esses controles nas mãos?

domingo, 7 de novembro de 2010

Frenesi_2010@

Acordou com uma vontade imensa de viver. Morreu no final.

Acordou com uma vontade imensa de viver. É certo que escovou os dentes, tomou café, e cumprimentou a família, como se família tivesse. Morreu no final.

Acordou com uma vontade imensa de viver. Depois de levantar da cama, fazer tudo em casa, compartilhar a vida com a família, foi para o mundo. O mundo o recebeu de braços abertos: tudo estava lá. Morreu no final.

Acordou com uma vontade imensa de viver. Foi logo conhecendo alguém para se apaixonar. Apaixonar-se era necessário. Depois de deixar a família e suas coisas em casa, percebeu que agora estava só. Ele e sua vontade imensa de continuar vivo. Será? Morreu no final.

Acordou com uma vontade imensa de viver. E não foi, assim, de imediato que percebeu que queria isso. Foi necessário um conjunto de fatos antecessores. Desses que fazem a gente desistir de tudo. Mas não, ele queria viver. Sonhou com uma família que teria e uma esposa que amaria. Sonhou com o tempo passando mais devagar, permitindo respirar mais vezes, chorar mais vezes, ter mais amigos. Sonho bonito. E então acordou com aquela vontade inexplicável, sem saber de onde vinha, queria viver. Escovou os dentes, foi na sala, acenou para a foto da família na mesa. A família era de longe. Ele era só.

E foi para a rua, a procura de emprego, de mulher, de prazer. A procura de algo que se procura. Algo que se procura e não se explica. Constatou que certas vontades eram infiéis, e vinham de acordo com o ritmo do mundo: sagaz. Era um anti-herói no meio da rua, entre as pessoas desconhecidos.

A família? Havia ficado para trás, lá longe, nem na outra cidade, no outro lugar, era na lembrança mesmo. Era só ele. E ninguém mais.

Procurando vagas, pelas ruas da cidade, procurando corpos, pelas esquinas, procurando tudo, pelos bares. Mais tempo ou menos tempo era para se desistir. Mas não. A vontade dele era persistente. Ele tinha acordado com ela. Inexplicavelmente, mas tinha.

E foi procurando, como disse, alguma coisa que não se sabe o quê. Procurando, procurando. E... de repente, alguma coisa, uma bala perdida, um carro em sua direção, um assalto, uma covardia, coisas da pós-modernidade. Coisas da sociedade. Assim:

- Hei? Alguém? Hei! Diz alguma coisa, amigo.

Morreu.

Acontece que a vida é inesperada, é um susto. Ele mesmo, por exemplo, acordou com uma vontade imensa de viver, mas morreu no final, afinal.

Acessos