quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

O último átimo de um poeta


Cheguei em casa e fui direito a Minguinho.
— Xururuca, vim fazer uma coisa.
— O que é?
— Vamos esperar um pouco?
— Vamos.
Sentei e encostei minha cabeça no seu tronquinho.
— Que é que nós vamos esperar, Zezé?
— Que passe uma nuvem bem bonita no céu.
— Pra quê?
— Vou soltar o meu passarinho.
— Vou, sim. Não preciso mais dele...
Ficamos olhando o céu.
— É aquela, Minguinho?
A nuvem vinha andando devagar, bem grande, como se fosse uma folha branca toda recortada.
— É aquela, Minguinho.
Levantei emocionado e abri a camisa. Senti que ele ia saindo do meu peito
magro.
— Voa, meu passarinho. Bem alto. Vá subindo e pouse no dedo de Deus.
Deus vai levar você para outro menininho e você vai cantar bonito como sempre cantou para mim. Adeus, meu passarinho lindo!
Senti um vazio por dentro que não acabava mais.
— Olhe, Zezé. Ele pousou no dedo da nuvem.
— Eu vi.
Encostei minha cabeça no coração de Minguinho e fiquei olhando a nuvem ir-se embora.
— Eu nunca fui malvado com ele...
Aí virei o meu rosto contra o seu galho.
— Xururuca.
— Que foi?
— Fica feio se eu chorar?
— Nunca é feio chorar, bobo. Por quê?
— Não sei, ainda não me acostumei. Parece que aqui dentro a minha gaiola ficou vazia demais...

VASCONCELOS, José Mauro de. Meu pé de Laranja Lima. p. 42


Observar. A caneta (tão falsa); o chinelo; o ventilador. Refletir. O lençol; a mochila; a janela. Lembrar-se. Outro dia, pouco distante, estava mesmo pensando nestas coisas de vida de escritor, local onde pode-se encontrar subsídios sem fim para a construção do texto; tudo é motivo para o texto. Lembro-me em especial que há algum tempo atrás (era um dia no ônibus) observava um homem sob a música contínua do vai-e-vem urbano, sob um vai-tempo infinito, e percebia como ele pensava com obstinação à respeito da escrita e em sua necessidade.
Conversei com ele. Na verdade, já estava exausto das perguntas que ele levantava – há tempos – sobre esse assunto, sendo que nesse dia específico pensava mais no mistério da vida. O ônibus andava. “A janela dizia alguma coisa?”, pensou. Não dizia. E por que diria? Estava exausto (sim, exausto) de sua necessidade constante de poesia nas coisas, ou de coisas na poesia. E do enfastio, a promessa: jamais escreveria sobre esse mistério. Observem que essa decisão, neste átimo no ônibus, era de uma convicção e, ao mesmo tempo, de uma negação incrível. Incrível mesmo. Até há algum tempo atrás, por exemplo, ele pairava sobre as coisas e as poetizava; poesia era texto, visualmente texto; visivelmente texto. Mas, não! Agora, não. Optava calmamente por passar a ser apenas um observador de janelas de ônibus, e ônibus são muitos – veja. Um observador sem o compromisso visceral de interpretar e mediar as coisas e codificar a sua interpretação. Livrara-se deste cargo, dessa ocupação, deste estado de espírito. Atento-me, pois percebi que naquele dia ele vomitava à janela do ônibus todas as crônicas não escritas, os poemas fatídicos, as narrativas e os contos que já nasciam aposentados. Era bonito ver este processo de libertação, mas eu temia.
Observar. A caneta tornar-se-ia, afinal, apenas um dispositivo de registro. O chinelo seria calçado. E o ventilador ventou macio. Ah... Nunca me esquecerei deste momento de libertação e de (re)criação. Uma semana passaria; um mês passaria; passariam séculos... e lá estaria ele, firme, de ferro, alheio à poesia, mas atento às coisas, usufruindo delas e amando-as com (talvez!) mais discernimento.
E é assim que sempre quando eu estou no ônibus, penso em suas últimas palavras, como querendo que sua imagem não suma de minha cabeça. Sua imagem me faz crer no amanhã de esperança, tão pueril, mas tangível, que jamais quero escrever. Ao pensá-lo, estremeço e temo. Sei que aquele rude homem jamais voltará à minha vista, mas sinto o seu recado, íntimo, incomodando-me, como falando ao meu ouvido “Liberte-se também”. Eu lamento a minha indiferença; quiçá lamentaria a minha falta de coragem. No entanto, é certo o meu pacto de sempre repetir as últimas palavras daquele homem, sob a janela do ônibus. Com vergonha (pois é pueril, eu disse) repito aqui, neste texto metalingüístico:
- Vida boa pela janela. Vida boa.
E as janelas nunca mais foram as mesmas em minha vida. E em meus textos. E em tudo.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Suave e estranho pedido


Estou muito perto da loucura, creio. No momento não me sinto à vontade para falar isso para ninguém, nem para você. Mesmo assim estou compartilhando este monte de merda que é o meu pensamento. Penso a todo o momento. Sou alguém sem filtro. Tudo o que quase ninguém percebe, eu percebo, pois é a droga de minha construção que me tornou esse sujeito arrogante, prepotente, burro, talvez, “austero” e um acúmulo de tudo aquilo que não presta para perceber.

Para quê me preocupar com os sentimentos por outros? E com sentimentos de outros? Quero me apagar – posso ser um erro de gramática nesse texto escrito... (por seu Deus? não sei; pela história, eu acho). Fica difícil respirar nesse mundo poluído.

Peço que não me responda esse texto – qualquer resposta que me derem no momento acharei idiota, insuficiente. Apague-o logo depois de lê-lo. Esqueça isso, para sempre.”

B.S.T

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