domingo, 14 de outubro de 2012

Amor de escritório n. 1


Por Ronaldo Teles

Era todo dia. A mesma labuta. Chegava ao local do meu trabalho arrepiado, maltrapilho e maltratado. Se meu cérebro fosse um pouco mais autônomo, eu já havia pedido as contas daquele serviço faz tempo. Mas em mim, meu amigo, quem sempre mandou foi o coração. E com ele não tem dessas de raciocínio. Aliás, raciocínio pouco, é bem verdade, senão eu não estaria lá, todos os dias: contabilizando as mesmas notas fiscais, comendo as mesmas comidas daquele restaurante horroroso, aguentando as mesmas chateações de quem trabalha. Mas tudo tinha um motivo, um motivo claro, ria-se o meu coração: ela – uma amada secreta. Trabalhava ao meu lado. E o pior de tudo: era minha amiga. Ou, pelo menos, dizia-se. Ou pelo menos era o que eu achava. Como xingá-la? Como fugir de seu olhar pequeno, todos os dias, atrás da mesa, rindo para mim, contando o seu dia para mim, pedindo-me – vejam só! – opinião sobre o que deveria fazer em tal situação. Como não reparar suas coxas, quando se levantava? Como não devorá-la com os meus olhos quando retornava do almoço, com cara de satisfeita, rindo, brilhante, como cantora de ópera. Sou perdidamente apaixonado por ela. Sempre fui. Sempre serei. Mas como, como, lhe transmitir todas essas coisas complicadas que o coração ficava martelando em meu ouvido? Eu confesso que sou meio frouxo nesse sentido, não gosto de misturar as coisas e, sendo assim, não conseguia nunca me declarar para ela. E era pior, pois, subversivo amigo que eu era dela, eu já sabia de todo o seu íntimo, todas as mãos que haviam lhe tocado o corpo, de cada fio de cabelo acaju ou tabaco escuro que lhe forrava o coro cabeludo! Ah! Eu sabia! E assim era mil vezes pior! Antes fosse um inimigo, de outro setor, de outra empresa! Mas não: era a minha mesa mais a dela, lado a lado. Todos os dias. De 09h às 18h. Uma nota contabilizada, um olhar torto aqui, o café da tarde, uma conversa ali, um aumento de salário, uma confissão aqui. Mas nada de o meu coração, esse patife, permitir-me a linda hora da confissão de amor! Tardava e não chegava! Maldição! Esse meu coração, com esse seu raciociniozinho torto, me castigava: preferia amar às escuras, preferia amar aos versos, no anonimato. Ah! Um dia, ela confessou-me que havia passado em um concurso público e estava dando o pé da empresa. Eu não queria acreditar, mas logo já vi outra funcionária sendo treinada por ela. Não era loura como ela; seus olhos eram maiores, e ria alto, escandalosa, me dando náuseas a cada vez que falava. No dia da despedida de minha amada chorei escondido no banheiro. No final, eu consegui dizer a ela algo que, afinal, vinha do meu coração:
- Adeus. A gente se fala.
- Se fala sim. Adeus.
Fala nada! Até hoje nunca mais nos falamos. Amor de escritório! Ai ai, meu Deus! E cá eu estou, em meio às notas, à louca morena de olhos grandes, escrevendo estes versos em meu horário de almoço, com a certeza de que nunca mais me apaixonarei por nenhuma mulher que bata o ponto no mesmo relógio que eu.

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