Já faz tempo que não chove como antes. E tenho que ser sincero: o sol também não é o mesmo. E não sinto na natureza a mesma ferocidade que já senti algum dia. Nada entendo de nostalgia, é certo – tenho apenas poucos anos de vida -, mas peno em descobrir dia após dia que os dias não são os mesmos.
É fato. E já faz tempo que as pessoas mudaram. Não ouso dizer se é para melhor ou para pior. Quem sou eu? Não, não ouso. São inúmeras e não se importam já com bastante coisa. Querem dinheiro e sexo, basicamente. Fazem críticas a elas mesmas, escrevem sobre elas mesmas, e, na busca desesperada por sentido, invernam-se nas religiões. E nunca houve tanto milagre e nunca houve tanto choro e súplica nos limites matadores de uma igreja.
E já faz tempo não querem mais saber de deuses, pois se tornaram eles mesmos seus próprios deuses.
E já não se fala mais em futuro. Apenas em um singelo contar de tempo, um triste olhar para horizonte e um velho canto. Já faz tempo que não recrutam mais paisagens e nem querem mais saber de muita linguagem.
E nem mesmos os vagabundos a titubear nas ruas são as mesmas pessoas. Agora são filósofos, médicos, engenheiros e tantos outros. Tantos outros na empreitada noturna, procurando fazer sentido às próprias vidas.
Sentido, sentido, sentido. Ah! Já faz tempo, temo dizer, que o sentido deturpou-se. Ou poderá ter sido o sentido que deturpou nossas vidas. E já não há mais sentido. E já não há mais afeição. E sábios questionam, prostitutas trabalham e donas-de-casa esperam seus maridos. E faz um tempo, repito, que o sentido da vida é só esse: o nada.
E nada faz sentido. E tudo faz o sentido chamado sentido algum. E tudo e nada, já são distantes. Já estão distantes. E não servem mais de paradoxo, foram esquecidos.
Ora, não há emblema nessas palavras. É preciso dizer, no entanto, que até a poesia mudou. E mudou muito. E triste é perceber que não sei escrever sobre tal mudança. São palavras diferentes que me vêm a cabeça; confundo-me; mordo a língua. Já faz tempo que não existe mais poeta. E o que há? Não sei.
Relógios não funcionam, rimas não interessam, mares desregulam, olhares nada falam. E o mundo clama por salvação.
E eu, perdido novamente entre a prosa carcerária de viver, ouso lançar algumas palavras ao caos. E nada recebo em troca. Tampouco, não quero nada. E nem nada preciso mais. Ando quieto, sem amigos, sem família, lugares poucos, vazio e silêncio. As inseguranças, as palavras, as vontades, as esperanças, a poesia, o acordar... tudo isso já não faz mais parte de mim. Teço o minucioso trabalho de viver, que já não é mais enigma nenhum.
E já faz tempo, um certo tempo, que não sou mais a o mesmo.
E ninguém percebeu.
Mas haverá um dia em que todas as pessoas chegarão à mesma conclusão que cheguei. E escreverão, à sua maneira, as mesmas palavras. E perceberão que tudo mudou.
E até lá... já vai fazer muito tempo.
Tenho dito. Tenho certeza. Assino embaixo.