domingo, 7 de novembro de 2010

Frenesi_2010@

Acordou com uma vontade imensa de viver. Morreu no final.

Acordou com uma vontade imensa de viver. É certo que escovou os dentes, tomou café, e cumprimentou a família, como se família tivesse. Morreu no final.

Acordou com uma vontade imensa de viver. Depois de levantar da cama, fazer tudo em casa, compartilhar a vida com a família, foi para o mundo. O mundo o recebeu de braços abertos: tudo estava lá. Morreu no final.

Acordou com uma vontade imensa de viver. Foi logo conhecendo alguém para se apaixonar. Apaixonar-se era necessário. Depois de deixar a família e suas coisas em casa, percebeu que agora estava só. Ele e sua vontade imensa de continuar vivo. Será? Morreu no final.

Acordou com uma vontade imensa de viver. E não foi, assim, de imediato que percebeu que queria isso. Foi necessário um conjunto de fatos antecessores. Desses que fazem a gente desistir de tudo. Mas não, ele queria viver. Sonhou com uma família que teria e uma esposa que amaria. Sonhou com o tempo passando mais devagar, permitindo respirar mais vezes, chorar mais vezes, ter mais amigos. Sonho bonito. E então acordou com aquela vontade inexplicável, sem saber de onde vinha, queria viver. Escovou os dentes, foi na sala, acenou para a foto da família na mesa. A família era de longe. Ele era só.

E foi para a rua, a procura de emprego, de mulher, de prazer. A procura de algo que se procura. Algo que se procura e não se explica. Constatou que certas vontades eram infiéis, e vinham de acordo com o ritmo do mundo: sagaz. Era um anti-herói no meio da rua, entre as pessoas desconhecidos.

A família? Havia ficado para trás, lá longe, nem na outra cidade, no outro lugar, era na lembrança mesmo. Era só ele. E ninguém mais.

Procurando vagas, pelas ruas da cidade, procurando corpos, pelas esquinas, procurando tudo, pelos bares. Mais tempo ou menos tempo era para se desistir. Mas não. A vontade dele era persistente. Ele tinha acordado com ela. Inexplicavelmente, mas tinha.

E foi procurando, como disse, alguma coisa que não se sabe o quê. Procurando, procurando. E... de repente, alguma coisa, uma bala perdida, um carro em sua direção, um assalto, uma covardia, coisas da pós-modernidade. Coisas da sociedade. Assim:

- Hei? Alguém? Hei! Diz alguma coisa, amigo.

Morreu.

Acontece que a vida é inesperada, é um susto. Ele mesmo, por exemplo, acordou com uma vontade imensa de viver, mas morreu no final, afinal.

2 comentários:

  1. essa história me lembra uma história real, de alguém q acordou cheia de vida, foi num noivado de família com o marido, e morreu no final. Alí,na calçada, antes de entrar pra casa. Só teve tempo de falar para ele se abaixar, pq era tiro.

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  2. Essa história me lembra a história de todos nós afinal, ainda que sonhemos os mais belos sonhos, morreremos todos no final....

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