domingo, 3 de abril de 2011

Heráclito de Éfeso

Já faz tempo que não chove como antes. E tenho que ser sincero: o sol também não é o mesmo. E não sinto na natureza a mesma ferocidade que já senti algum dia. Nada entendo de nostalgia, é certo – tenho apenas poucos anos de vida -, mas peno em descobrir dia após dia que os dias não são os mesmos.

É fato. E já faz tempo que as pessoas mudaram. Não ouso dizer se é para melhor ou para pior. Quem sou eu? Não, não ouso. São inúmeras e não se importam já com bastante coisa. Querem dinheiro e sexo, basicamente. Fazem críticas a elas mesmas, escrevem sobre elas mesmas, e, na busca desesperada por sentido, invernam-se nas religiões. E nunca houve tanto milagre e nunca houve tanto choro e súplica nos limites matadores de uma igreja.

E já faz tempo não querem mais saber de deuses, pois se tornaram eles mesmos seus próprios deuses.

E já não se fala mais em futuro. Apenas em um singelo contar de tempo, um triste olhar para horizonte e um velho canto. Já faz tempo que não recrutam mais paisagens e nem querem mais saber de muita linguagem.

E nem mesmos os vagabundos a titubear nas ruas são as mesmas pessoas. Agora são filósofos, médicos, engenheiros e tantos outros. Tantos outros na empreitada noturna, procurando fazer sentido às próprias vidas.

Sentido, sentido, sentido. Ah! Já faz tempo, temo dizer, que o sentido deturpou-se. Ou poderá ter sido o sentido que deturpou nossas vidas. E já não há mais sentido. E já não há mais afeição. E sábios questionam, prostitutas trabalham e donas-de-casa esperam seus maridos. E faz um tempo, repito, que o sentido da vida é só esse: o nada.

E nada faz sentido. E tudo faz o sentido chamado sentido algum. E tudo e nada, já são distantes. Já estão distantes. E não servem mais de paradoxo, foram esquecidos.

Ora, não há emblema nessas palavras. É preciso dizer, no entanto, que até a poesia mudou. E mudou muito. E triste é perceber que não sei escrever sobre tal mudança. São palavras diferentes que me vêm a cabeça; confundo-me; mordo a língua. Já faz tempo que não existe mais poeta. E o que há? Não sei.

Relógios não funcionam, rimas não interessam, mares desregulam, olhares nada falam. E o mundo clama por salvação.

E eu, perdido novamente entre a prosa carcerária de viver, ouso lançar algumas palavras ao caos. E nada recebo em troca. Tampouco, não quero nada. E nem nada preciso mais. Ando quieto, sem amigos, sem família, lugares poucos, vazio e silêncio. As inseguranças, as palavras, as vontades, as esperanças, a poesia, o acordar... tudo isso já não faz mais parte de mim. Teço o minucioso trabalho de viver, que já não é mais enigma nenhum.

E já faz tempo, um certo tempo, que não sou mais a o mesmo.

E ninguém percebeu.

Mas haverá um dia em que todas as pessoas chegarão à mesma conclusão que cheguei. E escreverão, à sua maneira, as mesmas palavras. E perceberão que tudo mudou.

E até lá... já vai fazer muito tempo.

Tenho dito. Tenho certeza. Assino embaixo.


Um comentário:

  1. Faz muito tempo que não passo por aqui. Faz muito tempo que não falo com meu amigo. Acho que me escondi dele, ou ele se escondeu de mim. Só espero que nenhum de nós dois esqueça o caminho de volta.

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