domingo, 22 de agosto de 2010

O que nunca passa

Há aproximadamente um ano atrás, eu escrevia Um pouco domingo, um pouco agosto. Naquela época, usufruindo dos meus veraneios de pseudo-poeta, falava sobre a semelhança dos dias, dos domingos, do tempo. E eis que naquela ocasião eu constatava que o ano de 2009 já começava a ver o seu fim.

Com rapidez percebo que eu estava certo. Digo: com estupidez percebo que estava certo. O tempo é invisível e avassalador e, portanto, constatar sua competência em rasgar os dias e os anos e os domingos é pura estupidez.

Porém a estupidez me acompanhou durante o ano que se passou e cá estou eu novamente. Domingo de agosto novamente. Tudo de novo novamente.

Hoje, entretanto, percebo que minha vida está fadada à não ter opções. Pois não tenho opção nessa noite de domingo senão escrever. A questão é: escrever sobre o quê? Um sem-número de assuntos me vem na cabeça: sobre as estrelas (tão fortes) que vi a agora a pouco; sobre as conversas (tão fracas) da televisão; sobre o enfraquecimento do pensamento pós-moderno; sobre a impertinência (ou a inversão) dos valores; sobre o orvalho da manhã (ou fé) que cedo passa; sobre as infinitas misericórdias divinas.

Poderia escrever também sobre os excelentes livros de Fernando Sabino que andei lendo esse ano. Sobre o Sentimento do Mundo, sobre Drummond.

No entanto só me resta a preguiça da vida. A preguiça de tudo e de todos. A preguiça que é o cansaço de todas as desilusões. Estou cansado de procurar verdade onde não há. Estou cansado de procurar verossimilhanças diversas. Estou com preguiça de ter que ouvir, dia após dia, as mesmas atrocidades. Tenho preguiça só de pensar no assassinato do raciocínio. Mas, afinal o que é mesmo raciocinar? Tenho preguiça de responder.

Tenho preguiça de tudo. E de todos.

Só me resta a tristeza de perceber que hoje sou um escritor falido, um vivente desvalido de coragem, em que nada mais se vê graça. As palavras, também, em mim, estão preguiçosas. Não querem sair, apesar de sua existência marcar tão forte todo o meu caminhar. Poeta do silêncio: é isso que sou. E não há poesia suficientemente capaz de mudar tal situação.

E a você, leitor, que não tem culpa da minha preguiça, tampouco da minha loucura, recomendo saber que todas as coisas lhe são lícitas, entre as quais está a arte de escrever. Porém, nem todas as palavras lhes convêm escrever. Não vale a pena se deixar levar por estas. Tome o exemplo de mim mesmo, que ao começar escrever esse texto, ignorei esta regra, esquecendo-me que há palavras que não precisam ser ditas, principalmente as que são fruto da preguiça. A preguiça de tudo.

E cá estou eu, perdido entre a maldita prosa, sem saber terminar o texto. Estou aqui sabendo que amanhã a semana começa e o ciclo continua, ignorando se eu estou pronto ou não. Talvez ano que vem esteja, ou não.

Porque insisto em escrever? Esta razão, como disse Sabino citando B. Pascal, é uma das quais a própria razão desconhece.

De tudo, cabe constatar, e finalizar, que em meus veraneios de pseudo-poeta estavam certos. Era quando eu inocentemente pensava e que hoje estupidamente eu repito:

Domingo de Agosto
Desgosto
Vai indo
Paz e Alvoroço
Fim e começo
Nada pelo avesso!
(Ou tudo pelo avesso?)
Dormir e acordar
Dúvida no ar...

3 comentários:

  1. O tempo é feroz, incompreensível, irritante, entretanto sábio. Tudo tem um propostio e hora certa pra acontecer. E isso, repito, é muito, extremamente irritante. Ora ele passa rápido demais, ora leeeento e parece nunca está a nosso favor.
    A arte de moldar palavras, ou simplesmente despejá-las como se despeja lágrimas, é ao mesmo tempo um presente e uma maldição. Uma vez poeta sempre poeta. Escrever se torna uma necessidade, uma coisa tão vital quanto respirar. Uma folha cai, o poeta escreve.Qualquer coisa, o poeta escreve. E escrever é tão dolorido quanto arranhar a pele no arame farpado. É uma dor chata que não cessa. E não escrever dói, porque falta o ar.
    Para um escritor , qualquer coisa vira um conto, uma cronica, um poema. E eu nem sei mais o que eu to falando.... Desculpa.

    Muito bom seu texto. Que você escre bem não é novidade=)

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  2. Minha reação a esta obra se resume num: AMÉM!

    abs

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  3. Quando eu descobri que tinha preguiça do mundo, pedia que os dias demorassem a correr, na esperança de que, assim, me sobrasse mais tempo para tentar mudar algo. Quando perdi as utopias, comecei a pedir que o tempo passasse mais rápido, pois, se é tudo canseira e enfado, que, pelo menos, seja breve. E, nesse agosto, mais uma vez minha vida mudou de ciclo. E, outra vez, eu nem me empolguei. E suas palavras do poema do ano passado nunca foram tão minhas, e tão atuais.

    "Domingo de Agosto
    Desgosto
    Vai indo
    Paz e Alvoroço
    Fim e começo
    Nada pelo avesso!
    (Ou tudo pelo avesso?)
    Dormir e acordar
    Dúvida no ar..."

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